Amanda passou treze dos seus quinze anos de vida estudando em escolas particulares. Diagnosticada com distúrbio do sono aos nove meses e, posteriormente, com déficit de atenção e hiperatividade, tomou remédio controlado até os quatro anos de idade. Durante o retorno dos exames, a neurologista sugeriu à mãe que não a matriculasse em “grandes” escolas, muito menos que contasse à direção da instituição escolhida sobre tais transtornos, pois “a tratariam de maneira diferente dos outros alunos”; isto é, deduz-se facilmente que a especialista sabia que nenhuma escola estaria apta para recebê-la.
“Nunca me senti diferente no meu primeiro colégio, onde estudei quase a vida toda”, admite Amanda. A mãe realmente decidiu não contar, mas não quis que a filha estudasse em uma escola pequena e a matriculou em uma das melhores (e maiores) do Brasil, em Teresina. “Tinha uma menina na minha sala com um problema de concentração mais sério do que o meu, e ela tinha um tratamento meio especial, sim. Eu não era muito próxima dela, então não posso dizer com certeza se isso a ajudava, mas, ao meu ver, não fazia tanta diferença. A escola não parecia ser bem preparada.”
Aos onze anos, Amanda se mudou para Fortaleza, onde havia nascido, em razão de problemas familiares. Morava em Teresina desde os treze dias de vida, então, apesar de sempre viajar à terra natal para visitar os avós, tios e primos, foi uma transição marcante. “Foi horrível na época”, confidencia. “Eu tinha os mesmos amigos desde o maternal, não conhecia ninguém aqui, além de todas as coisas que estavam acontecendo comigo, com a minha família. Depois de um tempo, quando eu finalmente fiz amigos no novo colégio, é claro que tudo ficou melhor. A questão é você sentir que não está mais sozinha.”
Ainda assim, Amanda acabou adquirindo ansiedade. Depois de quatro anos em Fortaleza e já adaptada aos amigos, antigos distúrbios familiares voltaram à tona e desencadearam um processo agudo de ansiedade. A adolescente odiava a ideia de ir a um psicólogo ou psiquiatra para falar sobre sua vida. Não acreditava que uma conversa ou um remédio resolveria seu estado de ansiedade. “Meu pai pensava da mesma forma e isso refletiu na minha forma de agir”, lembra a estudante. “Então, eu acabava guardando tudo para mim, o que, de qualquer jeito, já era um hábito meu. Sem que ninguém soubesse, eu vinha me automutilando desde os onze ou doze anos. Isso só piorou com a separação dos meus pais anos depois. As minhas notas caíram e eu fiquei totalmente desanimada com o colégio.”
Bem como em Teresina, Amanda foi matriculada em uma das escolas particulares mais respeitadas de Fortaleza, também no ranking de melhores do Brasil. Segundo a estudante, ela teve um impacto significativo na sua melhora. “[A escola] sempre chama os pais para conversarem quando a média de um aluno está baixa. Eu nunca fui uma das melhores da sala, mas, mesmo assim, a coordenação se preocupou em chamar minha mãe e perguntar se tinha algo acontecendo,” Amanda explica. “Eu também estava lá na hora e ela contou toda a situação da separação. Lembro que a psicóloga perguntou se eu estava sendo acompanhada por um profissional, se não seria interessante arranjar um professor particular, entre outras coisas. Eles [profissionais da escola] já nos incentivavam a conversar se tivéssemos algum problema e, depois [que chamaram a família] me senti mais incentivada ainda, porque sentia que eles se importavam de verdade comigo. Foi, a partir daí, que comecei a ir a uma psicóloga.”
Embora ainda se considere longe de um final feliz, Amanda afirma que já está bem melhor e que a luz no fim do túnel está cada vez mais clara. Mas poderia ter sido diferente, como é em tantos outros casos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o país campeão mundial do transtorno de ansiedade e o quinto em número de pessoas com depressão; o que significa aproximadamente 11,5 milhões de brasileiros. Transtornos psicológicos, se não tratados, podem levar à morte: em números absolutos, 2.898 jovens de 15 a 29 anos cometeram suicídio em 2014 no país.
Suicídio é a segunda maior causa de morte entre jovens no mundo
Considerada a segunda maior causa de mortes no mundo e a terceira em todo o Brasil, o suicídio juvenil tem sido tema de grandes debates mundo afora. Estima-se que cerca de 67% dos jovens possuem ou já tiveram pensamentos suicidas.
Para a professora da Universidade Estadual do Ceará e estudiosa no assunto, Alessandra Silva Xavier, a primeira medida a ser tomada é a quebra do preconceito contra o sofrimento psíquico, já que as pessoas, geralmente, se recusam a aceitar a ideia da depressão, ansiedade e outros transtornos psicológicos, o que agrava ainda mais a situação. “Se você tiver com hemorragia, ninguém diz que é frescura, mas se você estiver depressivo, as pessoas não te levam a sério”, alerta a professora.
“Sofrer faz parte da vida, mas se a vida for só sofrimento, angústia e solidão, para onde irá a dor dos que sofrem por existir? Qual rede afetiva, profissional e criativa podem ser oferecidas para ajudar essas pessoas?” (Alessandra Xavier, especialista em depressão).
Segundo ela, esses jovens acabam se comparando a outro e vendo que não possuem o mesmo padrão de vida, felicidade e capacidade de fazer as coisas que eles fazem, se sentindo desesperançosos em continuar vivendo. Alessandra ainda ressalta que as pessoas, na maioria das vezes, desqualificam o que o adolescente sente e o que ele pensa, pois elas não têm ideia da dimensão da dor que certas situações, por mais insignificantes que sejam, causem nesses jovens.
Segundo um estudo feito na Finlândia de autópsia psicológica indicou, citado pela professora, 90% dos casos de suicídios ao redor do mundo estão ligados a depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia ou borderline (outro tipo de transtorno). Excessos de experiências traumáticas, fragilização de relações com a família e/ou amigos e violência física e/ou verbal também são um grande agravante. “Além disso, os adolescentes constituem um dos grupos mais sensíveis a um grande número dos mais graves problemas da atualidade, como fome, miséria, analfabetismo, abandono, prostituição, entre outros”, explicou a professora.
O combate que veio do luto
O Instituto Bia Dote, localizado em Fortaleza, é uma organização sem fins lucrativos que atua na prevenção ao suicídio e valorização da vida. O instituto surgiu em 2013, como uma forma da família prestar homenagem à Bia Dote, vítima de suicídio aos 13 anos, em 2008. “A gente sentiu o que era o preconceito com o suicídio e o que era preconceito com a família sobrevivente disso,” relata Lucinaura Diógenes, mãe de Bia e fundadora do Instituto Bia Dote. Suas experiências e de sua família família levaram à fundação do instituto. Entre os serviços prestados pelo grupo estão: atendimento psicológico, nutricional e fonoaudiólogo gratuito, grupos de apoio às famílias sobreviventes do suicídio e terapêuticos que trabalham com a ansiedade, além de promoção de debates e eventos.
O tabu sobre o tema suicídio é bastante presente na sociedade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) esse já se tornou a segunda maior causa de morte entre os jovens, em todo o mundo. A equipe do Instituto Bia Dote, com base nesses dados e pensando nesses jovens, tem como um de seus projetos levar palestras sobre prevenção ao suicídio às escolas. “Levamos para as escolas uma formatação de palestra para ter abertura para falar com o adolescente” explica Lucinaura. Nessas palestras com os jovens são tratados temas polêmicos como: sentimentos e sinais do comportamento suicida; sempre falando do modo adequado com esses adolescentes. O trabalho nas escolas não se restringe apenas aos alunos, há palestras com formatos próprios para pais e docentes.
“A escola pública recebe essas palestras como benefício, dão retorno. Enquanto as escolas privadas não tratam esse assunto”. Trabalhando tanto com escolas públicas quanto com privadas, Lucinaura Diógenes destaca a diferença de aceitação entre essas escolas.
O Instituto presta 60 atendimentos por semana, com a sua equipe de sete psicólogos. Eles trabalham com pacientes acima de 12 anos e sem limites de idade. A prioridade é para quem já passou por tentativas de suicídios e os diagnosticados com depressão moderada ou severa. Para o ano de 2018, o Instituto Bia Dote está com um novo projeto para auxiliar no tratamento prestado: uma conexão com a arte, no intuito de trabalhar a expressão e o entendimento dos sentimentos, com a intenção de ajudar o maior número de pessoas possíveis.
As escolas
Em razão de crianças e adolescentes passarem uma grande parte do dia nas escolas, é crucial que todos os membros da equipe estejam familiarizados e atentos a fatores de risco e sinais de alerta de comportamentos suicidas. É um consenso de profissionais da saúde que os jovens que cogitam a ideia do suicídio frequentemente dão sinais de sua angústia. Com isso, professores e colegas estão em uma posição-chave para detectar esses sinais e procurar ajuda. Quando todos os adultos e estudantes da comunidade escolar estão empenhados em fazer a prevenção do suicídio uma prioridade - e estão capacitados para tomar as ações corretas - a ajuda para esse jovem chegará antes que seja tarde demais.
Como sugere Lucinaura Diógenes, entre vários outros especialistas, o tabu do suicídio é um problema que impede grande parte das escolas de dar início a projetos que abordem o assunto. Diante do receio das instituições em falar sobre o assunto, o suicídio não é tratado e prevenido de forma eficaz, tornando-se, além de tudo, um grande problema de saúde pública.
Três das cinco escolas entrevistadas afirmaram possuir projetos que trabalharam o tema. A escola A, que preferiu não ser identificada, conta com uma equipe de psicólogas à disposição dos alunos que passam por dificuldades no decorrer do período escolar e também com um programa de valorização à vida, que trabalha com a orientação dos professores e dispõe de diálogos com os alunos, combatendo o bullying e outros problemas. A escola B, que também preferiu não se identificar, possui um grupo de jovens católicos que se reúnem todas as sextas com o objetivo de discutir questões que afligem a juventude. Dispondo de uma parceria com a Associação para Saúde Emocional da Criança (ASEC), a escola C conta com programas como Amigos do Zippy, que ensina esses jovens a lidar com as dificuldades do dia a dia, estimulando-os a identificar e a falar sobre seus sentimentos e a explorar várias maneiras de lidar com eles, e o Passaporte: Habilidades para a Vida, que ensina jovens a partir dos 11 anos a lidar com problemas de qualquer natureza. A escolas C e D negaram-se a falar sobre o assunto, alegando não disponibilizar de tempo suficiente para dar a devida atenção ao tema.
Em 2015, a campanha do Setembro Amarelo emergiu no Brasil com o objetivo de estimular a discussão sobre as causas que levam ao suicídio e as possibilidades de tratamento. Entretanto, o tema continua causando medo e, principalmente entre jovens e adolescentes, uma urgente necessidade de discussão.
O tabu do suicídio nas escolas
